Texto gentilmente cedido pelos autores identificados em rodapé.
Idoso no Brasil é categoria
A Profa. Elcyana Carvalho, terapeuta ocupacional, fala do fenómeno mundial relacionado ao envelhecimento populacional
O envelhecimento populacional é, hoje, um proeminente fenómeno mundial. No Brasil, a cada ano que passa, 650 mil idosos são incorporados à nossa população. Actualmente, a população brasileira com idade igual ou superior a 60 anos é da ordem de 15 milhões de habitantes. A sua participação no total da população nacional dobrou nos últimos 50 anos; passou de 4%, em 1940, para 9%, no ano 2002. A baixa nas taxas de fecundidade e mortalidade infantil, a melhoria nas condições de saneamento e infra-estrutura básica e os avanços da medicina e da tecnologia são os principais determinantes do processo de envelhecimento da população brasileira, cujos contornos tornaram-se mais nítidos nos últimos 20 anos.
Para a terapeuta ocupacional Elcyana Bezerra Carvalho, professora da Universidade de Fortaleza, mestranda em Psicologia/UNIFOR e presidente da Associação Brasileira de Alzheimer-Regional Ceará – ABRAZ, a longevidade se apresenta no cenário brasileiro, essa conquista social traz implicações na organização das políticas sociais e de saúde. A Dra. Elcyana coordena também o Curso de Especialização em Gerontologia. “O idoso hoje já faz parte de uma categoria. Na realidade a velhice é uma questão complexa, pois implica múltiplas dimensões: a biológica, a cronológica, a psicológica, a existencial, a cultural, a social, a económica, a política, entre outras”, diz a professora. A entrevista a seguir é da jornalista Vânia Lúcia Bezerra Oliveira, aluna do Mestrado em Educação e Saúde da Universidade de Fortaleza
- O que é ser idoso?
Trabalhar com o conceito de idoso faz necessariamente, estabelecer duas diferenciações clássicas: envelhecimento e velhice. O envelhecimento é inexorável. É um processo que se inscreve no tempo do nascimento à morte. É um fenómeno que percorre toda a história da humanidade, mas apresenta características diferenciadas de acordo com a cultura, com o tempo e o espaço.
A velhice seria a última fase do ciclo vital, para designar pessoas idosas. A Organização das Nações Unidas (ONU, 1985) demarca o inicio da velhice as pessoas com 65 anos de idade nos países desenvolvidos e 60 anos de idade, para os países em desenvolvimento. Definir a categoria velhice é, na realidade, uma questão complexa, pois implica múltiplas dimensões: a biológica, a cronológica, a psicológica, a existencial, a cultural, a social, a económica, a política, entre outras.
No Brasil pelo o contexto da desigualdade social que impera, Como afirma o poeta João Cabral de Melo Neto, em Morte e vida Severina; a miséria pode fazer um individuo “ser velho, antes dos trintas”. Esses idosos continuam amarrados à falta de oportunidades e as desvantagens, em virtude da pobreza que só agrava as dificuldades físicas e sócias da velhice. Como também em condições favoráveis, um bom contingente de idosos consegue viver a velhice de modo diferente, mais rico e inovadores que os idosos de antigamente.
Voltemos a pergunta, o que é ser idoso? na nossa sociedade, a priori seria continuar lutando pelos seus direitos de cidadão e mantendo sua maior função social de guardião do passado, ao mesmo tempo redimensionando sua vida para a realização de actividades que sejam produtivas e prazerosas.
- A sociedade contemporânea enaltece o jovem em relação ao idoso?
Na sociedade moderna capitalista há uma valorização do ter em detrimento do ser. Com isso o idoso, nesta fase da vida apresenta um maior referencial biográfico do que biológico. O jovem por sua vez encontra-se com todas as suas forças em pleno vigor físico, a beleza e a juventude é enaltecida como padrão, levando alguns idosos a sucessivas plásticas numa tentativa de mascarar as marcas do tempo. O jovem é a promessa de ingresso no mercado de trabalho, ao idoso é a retirada através da aposentadoria, ao jovem é destinado um futuro de realizações e ao idoso compre-se o destino à morte.
Todas essas colocações passam pela percepção preconceituosa da velhice, que é vista como declínio e improdutividade. Porém, é preciso entender que essa mesma sociedade que ajudou a construir o mito da velhice hoje será vitima dela, o jovem de hoje será o velho de amanha, será que o mesmo gostaria de ser tratado com tantos preconceitos?
- Há idoso contributivo e idoso dependente?
Os idosos contributivos são aqueles que analisando da óptica económica eles permanecem contribuindo com a renda familiar, mesmos com os parcos proventos da aposentadoria, às vezes não suficiente para pagar um plano de saúde, medicação, cursos da terceira idade, porém permanecem ajudando, desde o sustento desta família até na criação dos netos.
Numa esfera social são aqueles que continuam a realizar trabalhos voluntários e participam de alguma forma do contexto social. Os idosos dependentes são aqueles portadores de doenças crónicas invalidantes, requerendo cuidados intensivos. Podem ainda ser dependentes financeiramente dos filhos, isso leva a um agravamento até, porque a família está se tornando nuclear dificultando os cuidados, principalmente, porque a mulher esta inserida no mercado de trabalho sendo ela principal cuidadora desses idosos dependentes.
- O envelhecimento bem sucedido é possível apenas para uma pequena parte da população de idosos...
O lema da Gerontological Society of América nos anos 50: “Acrescentar vida aos anos e não apenas anos à vida”. O envelhecimento bem-sucedido depende do equilíbrio entre o limitações e potencialidades da pessoa, o que lhe possibilitará enfrentar as perdas inevitáveis da ultima fase da vida, e de sua constante interacção com o meio ambiente, de forma a facilitar sua adaptação às mudanças ocorridas em si próprio e no mundo que o cerca.
O envelhecimento é singular, porem alguns aspectos podem ser observados como a capacidade de reserva latente para o desenvolvimento, que podem ser activados pela aprendizagem, por exercícios e treinos. O fato é que os idosos precisam lançar mão de algumas estratégias que possibilitem ter uma velhice satisfatória isto implica estar atenta a cultivar novos hábitos, engajar-se em actividades produtivas, realizar projecto de vida, ingressar em universidade de terceira idade, desenvolver serviços voluntários e outros. Portanto um envelhecimento bem-sucedido depende de como o idoso vai enfrentar os desafios da vida, lutar pelos os seus direitos de cidadão e colocar em prática projectos viáveis dentro das condições pessoais e do meio ambiente em que vive.
- Como a intervenção gerontologica contribui na qualidade de vida?
O tempo de vida se ampliou. No século XXI, o desfio maior, será cuidar de uma população com mais de 32 milhões de idosos , a maioria com baixo nível socioeconómico e educacional, ao lado de uma alta prevalência de doenças crónicas e incapacitantes. Frente ao imperativo demográfico vivido pelo o país e suas previsíveis consequências no campo da saúde pública, cabe definir uma linha de acção prioritária visando desenvolver uma estrutura de atenção primária, secundária e terciária à saúde do idoso.
O objectivo principal do sistema de atendimento é manutenção da capacidade funcional do idoso, mantendo-o inserido no seio da comunidade pelo o maior tempo possível, usufruindo sua independência e autonomia. O envelhecimento é complexo e exige profissionais qualificados e bem treinados, não é campo para amadores, práticas apenas assistencialista e pessoal bem intencionado, mas sem preparo académico. Para que atenção ao idoso possa se realizar em bases interprofissionais, é fundamental que se estimule à formação de profissionais treinados, através de cursos de especializações e pesquisas na área da Gerontologia.
O conhecimento da multidimensionalidade do processo de envelhecimento permitirá a contextualização da real situação do idoso em termos de suas possibilidade individuais, familiares e comunitárias, bem como das societárias, culturais económicas e outras, dando a verdadeira dimensão do que fazer de forma eficiente e eficaz. Para tanto é necessário educar e formar profissionais.
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