vidasimplesidoso

Quem de nós não sonha em ficar bem velhinho e cheio de saúde e de histórias para contar aos nossos netos? Mas para que isso aconteça, de forma agradável, sem os percalços inerentes ao envelhecimento, devemos começar , desde já, a estudar o processo do envelhecimento para que possamos envelhecer melhor e cuidar melhos de nossos idosos. FAÇA UM CURSO PARA CAPACITAÇÃO EM CUIDADOR DE IDOSOS!

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Prazo de validade...

Vida: qual o prazo de validade?
Se você ultrapassou o marco dos 60 km na estrada da vida, CUIDADO: você está começando a infringir os limites toleráveis pelo universo da medicina para tratar das doenças que atingirem o seu corpo! Se na sua teimosa insistência de continuar vivo, o ponteiro indicador de quilometragem rodada ultrapassar o marco dos 80 km, melhor seria se não precisasse ousar buscar recursos médicos para tentar continuar cometendo essa loucura de VIVER.
Entre os meses de maio e junho do ano de 2003, após algumas idas e vindas de internamentos no hospital com passagens pela UTI, meu pai – aos 96 anos de idade –, mais uma vez passou mal e, num estado de sofrimento com intenso desconforto respiratório, foi levado às pressas para a emergência hospitalar.
Após ser entubado, uma equipe de médicos e enfermeiros lutava para controlar suas funções orgânicas de olhos grudados nos visores numéricos das máquinas que pareciam enlouquecidas pela alternância descontrolada dos valores registrados. Eu já tinha obtido consentimento para estar junto dele e estava segurando-lhe a mão e acariciando-lhe a cabeça. Um dos médicos, já de meia idade, aproximou-se de mim e travou o seguinte diálogo comigo:
– A senhora é parente dele?
– Sim, sou filha – respondi. Ele então disse :
– Minha senhora, isto é um moribundo! A senhora vai querer UTI para ele?!
Sem acreditar no que ouvira, meio atordoada, peço a ele que saiamos do box para conversar longe do leito em que meu pai se encontrava. Fora do box, enquanto em silêncio atentamente eu o escutava, a conversa continuou:
– Parece que a senhora não está me entendendo…
– Estou entendendo perfeitamente, doutor! Pode continuar.
– Pois bem, veja só: isto é um moribundo! Muito mais humano seria levá-lo para casa para que ele possa morrer cercado pelos entes queridos. A senhora me entende? Nós o sedaríamos e a senhora o leva de volta para casa… É, parece que a senhora não está me entendendo…
– Absolutamente, doutor! Estou entendendo tudo o que o senhor falou e estou esperando que o senhor conclua o que está a me dizer.
– Pois bem, é isso. Nessa idade, não há chance. Para que UTI? A gente seda ele e pronto: ele vai pra casa e, sem sofrer, ele pode morrer cercado pelos familiares. O que a senhora me diz?
Respirei fundo e comecei a falar:
– Doutor, eu entendi tudo o que o senhor falou e acho até que o senhor tem toda razão. Concordo com cada palavra que o senhor disse, mas eu tenho dúvidas profundas a respeito desse raciocínio lógico que determina quem de nós é o verdadeiro moribundo.
Sabe, doutor, eu não tenho certeza se vou continuar viva até a conclusão dessa nossa conversa; não tenho certeza se, ao sair daqui, vou conseguir chegar viva em minha casa; não tenho certeza se vou viver até o próximo minuto ou até os cem anos. Na minha pobre e leiga opinião, todos nós que estamos vivendo este momento de agora somos nada mais que potenciais moribundos. O senhor me diz que a solução simples de sedá-lo, o livrará do sofrimento. Eis outra dúvida minha: para que ao menos fosse diminuída essa dúvida, seria preciso que, vestida na pele dele, eu passasse pelo mesmo estado de sofrimento físico, mental, espiritual e, sedada, pudesse constatar a libertação do medo, da dor, da angústia, enfim, do sofrimento psíquico. Isto posto, eis as minhas razões para, neste momento, lhe responder que seja dado a ele todo o tratamento de que a medicina dispõe visando proporcionar-lhe uma condição salutar de vida e o ajude nessa batalha de buscar recompor as funções de seu debilitado organismo.
Pedi licença e retornei para junto de meu pai. O médico, bem jovem, que continuou a luta para equilibrar as taxas enlouquecidas do organismo olhou-me com um doce sorriso e me disse: “não se preocupe, já conseguimos regularizar os batimentos cardíacos, a pressão e agora vou me empenhar para que seja disponibilizado um leito na UTI. Ele é forte e vai conseguir sair dessa!”.
Enfim, meu pai poucas horas depois subiu para a UTI, recuperou-se e nos meados de julho voltou para casa – com limitações, é lógico – mas só veio a falecer em 26 de dezembro de 2003. Apesar de acamado, ele ria, brincava, ouvia suas músicas prediletas, ouvia-me relendo livros para ele e interagia conosco, vivendo com dignidade e a relativa qualidade de vida que sua condição lhe permitia.
Ah! Doutores, deixem-me lhes dizer: só a força da vida pode nos dar as respostas que estamos buscando encontrar. Tenhamos a humildade de colocarmo-nos a serviço da força vital, ou seja, envidar esforços na utilização de todo o conhecimento e esgotar todos os recursos disponíveis para ajudar o paciente – não importa a idade que tenha. Se o doente vier a falecer, então mais uma vez tenhamos a humildade de nos prostrar com reverência às leis supremas da VIDA conscientes de que fizemos tudo que era possível fazer. A nossa inteligência deve curvar-se diante da INTELIGÊNCIA da vida!
“Quem sabe que a alma de tudo é indestrutível e eterna, sem nascimento nem morte, sabe que a essência não pode morrer, ainda que as formas pereçam”. ( Bhagavad Gita – A Sublime Canção)
Gracinha Medeiros
Tags: Alzheimer, cti, cuidar, cuidar de idosos, idoso, idosos, médico, vida

Nenhum comentário:

Postar um comentário