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sábado, 20 de novembro de 2010

HISTÓRIAS DE UM CUIDADOR CAPÍTULO 1

Histórias de um cuidador - Cap. 1
Minha vida mudou em 12 de março de 2005.

Oficialmente, esta é a data em que consideramos – eu, minhas irmãs, meu pai e nosso geriatra – como a data em que tivemos a confirmação efetiva de que dona Cida, minha mãe, era uma portadora da doença de alzheimer.

Claro que a dona Cida vinha dando sinais da doença muito antes disso. Lembro-me que, cerca de 3 ou 4 anos antes – a data exata me foge no momento – aconteceu o primeiro episódio que nos deixou realmente assustados, que foi quando ela se recuperava de uma cirurgia no quarto do hospital e, sem estar sob efeito de sedativo algum, disse sorridente para o enfermeiro ao vê-lo entrar para medicá-la:

- Olá! Foi meu marido que abriu o portão de casa para o senhor entrar ?

Deste dia em diante os episódios de confusão e os lapsos de memória tornaram-se mais frequentes. Primeiro, minha mãe começou a ter dificuldades espaço-temporais: não sabia mais identificar em qual dia da semana estava ou apontar qual o dia do mês era, mesmo com o auxílio de um calendário. O fato de que meu pai havia se aposentado e passou a ficar em casa, alterando completamente a rotina de décadas da dona Cida, só fez piorar sua confusão: em um dia, minha mãe era soberana absoluta em casa, no outro havia alguém dando ordens e intrometendo-se em suas tarefas.

Assim, pouco a pouco a doença foi afetando o cotidiano de minha mãe. Ocorreram mudanças súbitas de comportamento: rompeu com suas amigas de caminhada de anos, dizendo que elas só sabiam fofocar e que não queriam saber de andar. Pior, passou a evitá-las, mesmo quando elas vinham procurar minha mãe em casa apenas para jogar conversa fora.

Procuramos o primeiro geriatra; até então, não sabíamos nem pronunciar a palava alzheimer, quanto mais pensar que era isso o que ela tinha. Após a primeira consulta, minha mãe saiu completamente indignada, dizendo que nunca mais pisaria lá. O pobre médico não fez absolutamente nada que justificasse essa antipatia toda. Começaram a aparecer também os primeiros sinais de confusão em locais movimentados: a feira livre de quarta-feira, frequentada pela minha mãe há décadas, teve de ser acompanhada pelo meu pai depois de uma ocasião onde ela perdeu o dinheiro das compras e voltou pra casa de sacola vazia.

Preocupados com a progressão do seu quadro, tentamos uma segunda geriatra, que disse que minha mãe só precisava de umas “vitaminas” para melhorar o raciocínio. Não preciso dizer que nunca houve uma segunda consulta com ela.

Por volta desta época, em meados de 2003, os lapsos de memória começam a se tornar frequentes demais para serem ignorados. Pior, minha mãe tomara consciência deles, ficando deprimida; era extremamente comum encontrá-la chorando pelos cantos, dizendo que estava ficando louca. Triste ironia do destino! Nós passamos a vida toda escutando minha mãe dizer que o que mais temia era ficar gagá.

Sob a recomendação de mais um geriatra e a supervisão da minha irmã mais nova, que trabalha com crianças, colocamos minha mãe para lidar com jogos que estimulassem a memória. A tentativa foi completamente infrutífera pois, além das dificuldades que o Alzheimer já impunha, a total falta de educação formal da minha mãe (que hoje em dia seria considerada analfabeta funcional, visto que só sabia ler e escrever) impedia que ela progredisse nas atividades, além de deixá-la mais deprimida por não conseguir resolver os problemas após horas lidando com quebra-cabeças e jogos de memória.

Logo, outra caracteristica da doença apareceu: com os lapsos de memória roubando suas lembranças mais antigas, algumas histórias do passado que minha mãe frequentemente contava subitamente passaram a receber personagens novos e locações diferentes das originais. As mudanças não pararam por aí: dona Cida também começou a se atrapalhar com a rotina diária. Ela, que sempre foi tão zelosa com a arrumação da casa, começou a utilizar jogos de lençóis que não combinavam nas camas, além de colocar três ou quatro lençóis em uma mesma cama enquanto deixava o colchão nu em outra. Trocava sal por açúcar na cozinha e em um dia esqueceu de fritar as almôndegas, jogando as bolotas de carne crua dentro do molho.

As mudanças dela ocorriam com tanta velocidade que nos deixavam totalmente atordoados. Num dia ela estava perfeitamente bem, no dia seguinte começava a trocar o objetos e utensílios de lugar dentro de casa: achávamos xícaras dentro da geladeira, panelas no guarda-roupa e frequentemente a cozinha cheirava podre por dias, até que encontrássemos alguma comida pronta que ela havia guardado em um armário ao invés do refrigerador. Depois de um dia onde lavou os pratos com óleo ao invés de detergente, começamos a supervisioná-la nas tarefas domésticas. Até mesmo alterações no seu relógio biológico aconteceram: ela passou a ir para cama cada vez mais cedo. Se antes ela normalmente não dormia antes das 22 horas, começou a se recolher às 9, depois às 8, depois às 7 e, em uma ocasião, chegou a ir dormir às 18:00!

Ao que chegamos no fatídico 12 de março de 2005.

Nesta época, encontramos um excelente geriatra para nos ajudar. Estávamos no meio do processo de diagnóstico da doença de Alzheimer, aguardando os resultados os exames de imagem que minha mãe havia feito quando, naquela manhã de sábado, dona Cida convulsionou dentro do banheiro de casa e sofreu sua primeira queda.

Lembrando hoje, não sei como conseguimos chegar sãos ao final daquele dia. Foi simplesmente terrível: ao ouvir minha mãe gritar pouco antes de convulsionar, corri para o banheiro, chamei por ela e não ouvi resposta; arrombei a porta para encontrá-la caida no chão, com a cabeça sangrando e com a respiração alterada. A primeira coisa que me passou pela cabeça foi que minha mãe havia sofrido um AVC.

Ambulância, hospital, médicos mal preparados para lidar com um portador de Alzheimer fora de si, uma família desesperada. O sábado fatídico teve duas consequências imediatas: a primeira foi que a convulsão nos deu o diagnóstico definitivo da doença. Pesquisando depois, descobrimos que minha mãe havia se equadrado no seleto grupo de 2% dos portadores que sofrem convulsões no estágio inicial da doença.

A segunda – e pior delas – foi que as fraturas ocasionadas pela queda alteraram profundamente o quadro de Alzheimer da dona Cida. A dor pela qual passou e o trauma foram excessivos para que sua mente pudesse lidar de forma adequada e assim ela começou a apresentar características que só veríamos anos depois, ao ingressar no estágio intermediário da doença: dificuldades de fala, de deglutição e falta de controle das funções fisiológicas, entre outras. Minha mãe só voltou a uma condição próxima da que se encontrava antes da queda depois que as fraturas foram devidamente consolidadas.

E assim, praticamente do dia para a noite, ganhamos uma filha nova para cuidar.

(Continua…)

Rodrigo Freitas – Blog Quando pais viram filhos –

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